terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Revelação à mesa

Bolinhos de arroz temperados com erva-doce. Trivial, sim. Mas fundamental para recuperar aquilo que havia perdido e nem sabia exatamente o que era. Prostrou-se a observá-los, vendo o prato esvaziar-se aos poucos. O que teriam de tão perturbador, que saciavam sua fome de passado e felicidade os bolinhos?
Em menino, adorava a iguaria, mas sempre achou-a simplista demais. Desprezava aquela coisa formada a partir do que restou do dia anterior. Mas, pensou, o que não deriva do ontem, meu Deus? O óbvio é vital.
Lembrou-se de quando C.L. revelou em crônica um diálogo com uma antiga empregada:
- Trivial? Não, senhora, só sei fazer comida de pobre.
A miséria não encontrava-se à mesa. Localizava-se no deserto onde ele havia adentrado há tempos, aridez que por ora não vislumbrava açudes, córregos, azul-turquesa ou verde-água, nada que lembrasse matéria viva corrente ou estática. Concluira que a redenção poderia estar não no líquido, mas na falta de. Poderia aprender, e estava aprendendo, com a ausência de tudo o que lhe garantira a sobrevida recente e dolosa. A ausência de... ensina, sabia ele.
Satisfeito, prato vazio, foi escrever. Era a salvação a caminho.

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