sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A mandala

Tudo é mandala. Ouvira a expressão durante uma palestra na escola onde alongava-se dia sim, dia não. E, redondo, aceitou.
A tarefa seria pintar uma mandala. Pergunta no verso, a interpretação viria na semana seguinte. Em casa, aproveitando pai e mãe longe, assaltou a caixa de chocolates que servia de depósito dos lápis do sobrinho. Escassas cores disponíveis, amarelo, roxo, azul, laranja e verde era o que lhe restara. Mas não se intimidou. Quiçá desse vida a mais bela mandala já vista. Começou pelo centro, amarelo. Um amarelo canário, que lembrava as definições dos antigos estojos escolares, simplórios na referência ao reino animal. Em poucos segundos, o principal fizera-se. O molde dava conta de folhas que procuravam as bordas em movimento acelerado, uma espécie de globo da morte, deixando-o tonto. Quis impor um certo limite e optou pelo laranja-atenção. Achou-o insosso, mas o estrago estava feito e sequer tinha borracha ou apontador. Nada de calcar, portanto. Tentou amenizar com um azul-turquesa, que o sobrinho certa feita perguntara o que era. É um híbrido de verde e azul que confunde nossa cachola, explicou sem muita paciência. E o pequeno entendeu menos ainda, o que é híbrido, o que é cachola? Funcionou. Amarelo-canário, laranja, azul-turquesa, a ordem parecia mantida. Restavam o verde e o roxo. O verde não deixou exibir-se muito, guardando para ele os detalhes em losango do desenho. Já para o roxo-proteção guardou o contorno duplo da mandala. E nele refestelou-se de tanto roxo. Nenhum primor, mas seja o que Deus quiser, pensou.
Semana seguinte, obra de arte entregue, acomodou-se num dos tantos pufes dispostos em círculo e aguardou alguns minutos a chegada da mestre. Bastante informal, discorreu sobre o significado das cores, propriedades, sentimentos, emoções, mitos e um sem fim de divagações, sempre intercalando cada observação com tudo é mandala. Seu bocejo foi interrompido quando ouviu amarelo-canário e azul-turquesa. Sim, ela referira-se a sua. E, pasmo, não acreditou quando a mulher revelou, dentre dezenas, ter interpretado apenas uma pintada de forma tão suave, fraca. Mas é que tinha medo de quebrar a ponta, argumentou a si mesmo, resignado. Completou ela que, forte ou não a pintura, o que importa é a harmonia de cores, o momento da pessoa, o ambiente e tal e seguiu com a palestra. Mas ele já não prestava mais atenção em nada, sentia-se suave e fraco tal como sua obra de arte recém-maculada. Estanque no assento-bola, mal ouviu a rodada de perguntas que abriu-se ao término do colóquio. Não ousou nenhuma e, para piorar, a sala toda estava rodeada de mandalas, todas mais fortes que a sua, todas mais fortes que ele. Era um gordo em cólera. E saiu, não sem antes ouvir tudo é mandala.
Em casa, café e olhos no jornal, um balão com uma interrogação enorme pairou sobre si - tal como as personagens dos gibis que devorava enquanto empanturrava-se de bolinhos de chuva. Sabia sim por que era redondo. E de volta ao periódico, atentou turvo para a abertura de uma exposição. Mas como? A cabeça abaulada, o pires, o fundo da xícara, o pingo no tapete, a espinha que brotara na testa, o espelho-bolha na sala, o carro circulando até achar uma vaga, a moeda no parquímetro, a mostra que abriria dali cinco minutos redondos, a escada em espiral, o museu tomado de círculos, o esbarrão na artista plástica redonda de gorda como ele. Tudo é mandala. Tudo.

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