sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Delicadeza incompleta

Lembro de ter lido há tempos (acho que foi em "A Descoberta do Mundo") um relato de Clarice sobre um simples passeio pelas ruas do RJ, em que ela, de súbito, percebe uma folha cair sobre sua cabeça durante um início de outono. Mas o que fisgou minha atenção foi a última frase da crônica: "Achei Deus de uma enorme delicadeza". Posso dizer o mesmo dia desses, no escritório, quando vi um filhote de borboleta (é possível existir filhote de algo tão ínfimo? ou as larvas já saem do casulo como borboletas adultas?) cair próximo à mesa em que trabalho. Imóvel ou ferido, não soube avaliar, recolhi sua pequenez e dirigi-me à janela mais próxima. Desculpem, mas acho que não existem formas de tocar uma borboleta sem imaginar que estamos ferindo-na, por mais cuidado que se possa ter ao tocar suas transparências. Tal qual as pombas que aconchegamos nas mãos, aguardei pelo momento do vôo libertário, o céu como um roteiro não linear. Mas Susan (esse é o nome dado ao inseto) não quis igualar-se às suas companheiras de penas brancas. Pelo despenhadeiro de andares, enxerguei-a fixar as asas no cinza da calçada, imóvel, alheia ao vaivém de pedestres. Delicadeza não concluída por Deus.

3 comentários:

Dani Lispector disse...

"Borboleta é pétala que voa." Já dizia Clarice, mas 'Susan' deve estar bem, em outro plano ;)

Beijos Clariceanos

Dani

Anônimo disse...

Que ótima surpresa seu retorno ao blog! Já não era sem tempo.
Beijo.
Conceição

domingos disse...

Lembrei-me de uma poesia linda de Cecilia Meireles..."Elegia a uma pequena borboleta" onde ela fala que borboletas são bordados do véu do dia, da uma lida...vale a pena.
Abraços
Domingos